Fui para a cozinha preparar o jantar, pois os meus pais ainda não tinha chegado do emprego. Pedi ajuda aos meus irmãos, que apesar do João ter reclamado bastante, acabou por ceder, e foi ter connosco.
João: O que vamos fazer?
Inês: Olha maninho, tu vais pondo a mesa, que nós vamos organizando isto aqui. Talvez façamos uma lasanha ou pizza, que acham?
Liliana e João: Óptimo.
Optámos pela lasanha, que para além de demorar um bocadinho mais, era menos complicado que a pizza.
Liliana: Tu e o Diogo ficam mesmo bem juntos. Formam um casal mesmo fofinho.
Inês: Ele é super querido comigo, e estou contente com a minha decisão.
Liliana: E a Mafalda? Já sabes mais alguma coisa?
Inês: Sim, fui com ele ao hospital de tarde. Ele já acordou, mas ainda está com bastantes ferimentos, e vai ser operada amanhã, portanto, só depois disso poderá ter visitas.
Continuámos a fazer o jantar, que estava a ficar com muito bom aspecto. Agora só faltava colocar no forno uns minutos, e ficava pronto. Os meus pais deviam estar a chegar, e não iriam ficar surpreendidos com o nosso esforço e dedicação, já era habitual, no Porto, fazermos este tipo de surpresas.
Servimos o jantar quando os meus pais chegaram, sentámo-nos à mesa, como uma verdadeira família que há alguns anos não éramos.
Pai: (olhou para mim) O jantar está óptimo.
Inês: A Liliana e o João fizeram a maior parte, o mérito é deles.
Pai: Parabéns!
João: Não sejas parva, Nês. Sabes bem que o mérito também foi teu.
Mãe: E a Mafalda? Como é que ela está?
Inês: (enchendo o copo de água) Já acordou, mas ainda não pode receber visitas. Vai ser operada amanhã, porque tem um grande ferimento na barriga.
Pai: O que lhe aconteceu?
Mãe: Foi atropelada, na passadeira.
Pai: Coitada. E o condutor foi apanhado?
Foi a minha vez de responder, achei aquela pergunta tão absurda da parte dele, depois do que ele fez.
Inês: Foi, sim. Foi ele que a levou para o hospital, porque teve a decência de que ela estava a sofrer, não é como alguns que fogem e não querem saber.
Mãe: Inês! Fazes o favor de parar com essas coisas?
Pai: Deixa-a, Matilde. Ela tem o direito de se exprimir. Inês, eu já te disse várias vezes que não tive coragem de te ver sofrer, porque sabia que eu era o culpado de estares inconsciente.
A minha mãe calou-se, e os meus irmãos ficaram assustados para o caminho por onde a discussão iria tomar rumo, mas nenhum deles disse uma única palavra.
Inês: E achou, então, que o melhor era fugir, enquanto que a sua filha estava mal?
Pai: Está claro que não, Inês. Arrependi-me durante anos quanto a isso, culpei-me várias vezes pelo sucedido, até hoje, ainda me culpo. Fui um fraco.
As lágrimas começavam a surgir-me pela cara, lágrimas de raiva, tristeza, sobretudo de raiva. Ele não deixava de ser meu pai, mas nunca teve o direito de me fazer o que fez.
Inês: Sabe o que eu passei durante 11 anos? Tenho marcas para toda a vida, tanto fisicamente como psicologicamente. Não foi fraco, foi cobarde. Cobarde ao ponto de nunca querer saber da filha que deixou caída na estrada inconsciente, com apenas 4 anos de idade. Estive um mês no hospital internada, com mais 2 anos a ir todas as semanas ao hospital, com consultas com um psicólogo. Todos os dias chorava por si, a pensar que eu era a culpada, que eu é que o distraí na condução. Foi cobarde, deixou-me a passar por tudo sozinha.
Mãe: (pousou o copo de vinho, salpicando para a mesa uma grande mancha roxa) Já chega, Inês. Acabou a conversa!
As lágrimas teimavam comigo em cair, sem que eu tivesse tempo de as parar. Estava triste, só queria ir ter com o Diogo, e dar-lhe um abraço e não precisar de conter as lágrimas, porque com ele sentia-me segura, ele era quem eu mais precisava neste momento.
Levantei-me da mesa, subi ao meu quarto, e mandei uma mensagem ao Diogo: «Preciso muito de ti. Posso ir a tua casa?», rapidamente recebi a resposta afirmativamente. Peguei na mala e no casaco, e desci as escadas.
Inês: (abrindo a porta) Vou sair.
Bati a porta com tanta força que senti o chão a estremecer. E fui a correr a casa dele, só o queria a ele naquele momento, só precisava dele. E toquei à campainha.

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